Crônica: “Eu estou o quê?”, as histórias do meu pai
Texto assinado por Miguel Tadeu Guimarães de Campos
Em homenagem ao dia dos pais e dando continuidade às histórias do meu pai, eu me recordo que no fim da sua carreira de professor meu pai já não era mais o mesmo de antes, no quesito aplicação e dedicação.
Não porque o quisesse, mas porque os alunos não colaboravam, dentre outros motivos.
Aqui abro um parêntese para explicar que com isso não estou querendo justificar nada nem jogar a culpa em ninguém, apenas é a observação que eu fiz ao presenciar o fim de carreira do meu pai.
Pois bem, para ilustrar a que ponto de estresse meu pai chegou no fim de sua carreira, era comum ele dizer que não estava mais conseguindo dar aula e, então, não a dava.
Em alguns dias dava meia hora de aula e depois só esperava o sinal de saída.
Outras vezes, literalmente ficava sentado na porta da sala enquanto dentro da sala os alunos pintavam e bordavam.
Imagina passar quase cinco horas com quarenta alunos nesse clima.
O barulho ia aumentando, aumentando, incomodando, incomodando, a ele, às demais salas ao redor e todo o pessoal da diretoria.
E isso se repetia praticamente todo dia.
A classe do meu pai era uma das mais distantes da diretoria, no final do corredor.
Mas certo dia, o saudoso diretor, seu Gabriel Dellatorre, também incomodado com a algazarra, saiu pelo corredor em direção à sala do meu pai e o encontrou do lado de fora, sentado, enquanto os alunos lá dentro “faziam a festa”.
E foi logo dizendo:___“professor Miguel, eu estou ficando louco com o barulho da sua sala…”
E meu pai, todo espirituoso, respondeu:___“Seu Gabriel, se o senhor que está longe está ficando louco, eu, que estou aqui no meio, estou o quê, estou o quê?”
- Miguel Tadeu Guimarães de Campos, 56 anos, promotor de Justiça em Campinas-SP