Crônica: Mataram o que não morreu

Crônica: Mataram o que não morreu
Texto assinado por Marco Antônio Barbosa Neves
23Shares

Há muito tempo e, por todas as regiões do país, ainda não existiam emissoras de rádio. As estações de rádio existiam apenas nas capitais dos estados, bem como também nas cidades expoentes de cada região.

Na maioria das pequenas cidades do interior do país ainda predominava o conhecido “serviço de alto-falante”, que na época fazia as vezes das rádios, que só chegariam algum tempo depois.

Esses “alto-falantes” eram serviços de som, que chegavam a boa parte das pequenas cidades, instalados através de cornetas e bocas de alto-falantes, geralmente no topo de postes e, por vezes até em altos galhos de árvores.

Auriflama também teve um serviço desse tipo, o qual por certo contribuiu em muito para a comunicação social da época.

Tratava-se de serviço tido como muito importante tendo em vista que, por alcançar quase toda a população das pequenas cidades servia para a comunicação de fatos ocorridos, inclusive casos de falecimentos de moradores do lugar.

A estória a seguir ocorreu em uma dessas pequenas cidades do interior.

Esse lugar contava com um serviço de alto-falante, que era mantido em um humilde estúdio, instalado em bar, mantido pelo próprio dono, denominado “Bar do Neno”.

O Neno, dono do serviço de alto-falante, tinha acabado de perder seu “locutor oficial”, o qual havia pedido demissão, o que fez com que esse serviço passasse a ser mantido moradores do local e até pessoas humildes, desde que tivessem “uma voz encorpada”, mas devido à pouca remuneração do trabalho, por vezes ficava sob a responsabilidade de pessoas descompromissadas com cumprimento de horário.

Certo dia, passou bem cedo no referido bar, um cidadão cujo apelido era Tiãozim Libório, pessoa de pouco estudo, se tratando porém de um conhecido vendedor de ovos na cidade.

Tiãozim passou no “Bar do Neno”, cujo dono era um de seus assíduos comprador de ovos, porém chegou muito cedo, ao que pegou o bar ainda fechado, pelo que como era “de casa”, foi entrando pela porta dos fundos, ao que deu de cara com o pequeno estúdio do serviço de alto-falante.

Como não queria incomodar devido ao horário, Tiãozim  – “pessoa de pouca letra”,  resolveu deixar um bilhete, colocado providencialmente por cima do amplificador de som instalado no serviço de alto-falante da cidade, instalado em uma pequena sala aos fundos do bar.

Mesmo ciente de que, a escrita não era o seu forte, resolveu deixar um bilhete juntamente com uma cartela de ovos, ao que após colocá-los sobre a mesa de som, seguiu rumo a uma fazenda distante, programando retorno apenas no cair da tarde,

Por volta de 9 da manhã e já de sol queimando, apareceu o locutor do alto-falante para trabalhar e, ao ver o bilhete deixado sobre a mesa de som, destacou a sua primeira fala do dia:

E chamando na garganta, de microfone em punho noticiou:

– É com muito pesar e tristeza que, neste momento esse serviço de alto-falante, sob o patrocínio do “Bar do Neno”, comunica o falecimento do sr. Sebastião Libório!

Passou em seguida o locutor a informar sobre a pessoa falecida, já que se tratava de um velho conhecido da cidade.

Não deu mais que quinze minutos para que, a cidade caísse em profunda tristeza e consternação. Afinal de contas, Tiaõzim Libório era o vendedor de ovos mais famoso e conhecido do lugar!

Pessoas, conhecidos e amigos da família já se deslocaram par a casa dos Libório, fosse para demonstrar o sentimento de pesar, como para oferecer algum tipo de ajuda.

 – Mas cadê o corpo??

– Morreu de quê?

– Meu deus! Que tristeza prá essa família!

E seguiam os preparativos para o velório, na época realizado na própria residência do falecido, ficando todos na expectativa de chegada do corpo.

O dia passou e, já bem no cair da tarde, velório aguardando a chegada do corpo do defunto, tudo preparado, eis que aparece “vivim da silva”, quem?  O Tiãozim!

Foi um “deus nos acuda”, corre-corre de gente prá cá, prá lá…

Tudo meio que solucionado, equívoco parcialmente resolvido, o “Tiãozim defunto” explicou que tinha deixado, bem cedo, um bilhete assinado lá no “Bar do Neno”, explicando “que antiga conta dele(por compra de ovos) “tinha morrido”  e que, dali prá frente começava tudo de novo”…conta nova!

Não se tem notícia, de qual fim levou o tal locutor de voz encorpada, que prestava serviço lá no “alto-falante do Bar do Neno”.

A única coisa que se soube é que, depois de tudo explicado, o Neno fez o locutor engolir o bilhete!

O que o Tiãozim escreveu no tal bilhete? De tanta raiva, nem o Neno ficou sabendo!

Qualquer semelhança com fatos reais não será mera coincidência!

É isso aí!

  • Marco Antônio Barbosa Neves, 56 anos,  casado, advogado, residente em Ribas do Rio Pardo, Mato Grosso do Sul, onde reside e trabalha desde 1994

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *