Crônica: O furto das galinhas

Crônica: O furto das galinhas
Texto assinado por João Alfredo Danieze
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Fui convidado a participar desse grupo de velhos amigos (e, não, amigos velhos!) de infância para escrever sobre algumas lembranças de nossa querida “Vila Áurea”.

Embora nunca tive o hábito de fazer “crônicas”, relutei, num primeiro momento, mas aceitei o desafio, considerando a insistência dos amigos (leia-se Miguel Tadeu).

Vamos lá, então:

Havia – não sei se ainda há – em Auriflama e em várias outras cidades, uma “tradição” que ocorria nas sextas-feiras santas, que era a de “roubar” galinhas (não corrijam esse termo, que já está na boca do povo: é roubar mesmo!). Embora o dia seja tão solene, já que é considerado luto pelos cristãos, tinha também um jeitinho transgressor. Dizem, os mais entendidos, que as pessoas aproveitavam este dia – que é marcado pela morte de Cristo -, e, por isso, por “Ele” não estar vendo, praticavam esse pequeno delito.

Além disso, é o dia onde não se come “carne vermelha”, daí porque essa indefesa ave, de carne branca, passou a ser alvo, sobretudo depois da meia-noite.

Feita esta introdução – até para encher um pouco de linguiça – lembro-me que no início dos anos 80 passou por Auriflama um Delegado de Polícia em início de carreira, de nome Nelson Vicentin, que também era escritor. Soube, recentemente, que faleceu em 2.016, na cidade de José Bonifácio, onde também foi vereador antes de ser Delegado de Polícia, entre os anos de 1973/1976.

Dr. Nelson, como era chamado por todos, tinha hábitos boêmios e muito fácil de fazer amigos. Não foi difícil, assim, “enturmar” com os auriflamenses e passou a ser convidado para pequenos jantares, quando não circulava à noite na cidade para “conferir” se estava tudo em ordem.

Mas, voltando: um belo dia, numa segunda-feira, logo depois da semana-santa, apareceu na Delegacia de Polícia um conhecido empresário da nossa cidade, muito popular e também muito querido na cidade.

Ao vê-lo, Dr. Nelson já o recebeu todo sorridente, nessa versão que chegou ao meu conhecimento:  – o que houve, para amanhecer aqui na Delegacia numa segunda-feira?

Ele respondeu: – Dr. Nelson, estou aqui para registrar uma “queixa” de roubo. Na madrugada da sexta feira santa me roubaram duas galinhas…

Dr. Nelson: – Vem até a minha sala eu mesmo vou fazer seu boletim de ocorrência.

O Delegado sentou-se, colocou o formulário na antiga máquina Olivetti, e passou a preencher o B.O. Em seguida, indagou ao empresário: – Me diga, você tem ideia de quem poderia ter roubado suas galinhas?

Ao que o empresário respondeu: – Sim, acho que foram os amigos do Fulano, que mora ali perto da minha casa, porque na casa dele, na sexta, teve galinhada.

Dizem que Dr. Nelson, naquela hora, franziu a testa, avermelhou-se e disse ao empresário: – Me diga, se você fosse vender, quanto custaria hoje suas duas galinhas?

Ao que o empresário respondeu: – Mas por quê, Dr. Nelson, essa pergunta? Sei lá, acho que custaria 30 contos, não sei… Não era para vender…

O Delegado prontamente levantou-se, abriu a carteira, e entregou para o empresário o valor correspondente ao que ele achava que valia.

O empresário, por sua vez, não entendendo nada, respondeu: – Mas por quê está me pagando, Dr. Nelson, o senhor não tem nada com isso…

Dr. Nelson, prontamente, respondeu: – Melhor deixar isso para lá… Eu estava nessa galinhada…

E ficou por isso mesmo…

  • João Alfredo Danieze, 57 anos, advogado, filho do Dedé e da Florinda, residente em Ribas do Rio Pardo (MS), desde 1992.

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