Crônica: Ô irmão

Crônica: Ô irmão
Texto assinado por Miguel Tadeu Guimarães de Campos
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Hoje é dia dos pais.

Aproveitando a data, esclareço que publicarei várias crônicas sobre o meu pai, pois ele tinha muitas histórias que merecem ser lembradas.

Hoje é a primeira.

Meu pai era o professor Miguel, figura lendária da cidade de Auriflama. Já faleceu, mas deixou muita saudade.

Era professor, ourives, fazia pequenas esculturas em madeira, fazia mágica, jogava bocha e engolia fogo. E mais, era instrutor de fanfarra, ajudou a formar a primeira banda da cidade, tocava em carnaval, enfim, um verdadeiro artista.

E tudo isso ele fazia com o seu jeito sempre peculiar.

Era professor destacado, mestre das antigas.

Era um perito em transformar um pedaço de ouro em alianças, brincos, nomes, pulseiras. Sim, era ourives profissional. Muitos da velha guarda devem ter em casa algum pedaço de ouro que meu pai pôs a mão.

Ah, e era gravador. Gravava o nome dentro de alianças, taças, pulseiras de relógios, etc. Uma habilidade rara.

Certa vez, um cliente desconhecido perguntou-lhe quanto cobraria para gravar o nome na pulseira de seu relógio. O meu pai disse ao rapaz o valor, de três cruzeiros na época. O rapaz espantou-se e respondeu que era um roubo, num tom desrespeitoso. Meu pai não se abalou. Calmamente pegou o aparelho gravador e ofereceu ao rapaz, dizendo-lhe para gravar e que não cobraria nada. O rapaz, então, respondeu: “mas eu não sei”. Aí meu pai arrematou: “é por isso que você tá pagando”.

Enfim, com essa história aprendi a dar valor no que não sei fazer. Pago um encanador, eletricista e outros profissionais sem reclamar.

Mas o que mais me impressionava em meu pai era a maneira como chamava as pessoas, conhecidas e desconhecidas.

Todo auriflamense antigo (me perdoe pelo antigo) sabe. Era “ô Irmão”.

Eu cresci ouvindo meu pai chamar todo mundo de “irmão”.

Não entendia direito, porque não era só com os amigos, mas com todas as pessoas, em qualquer lugar, conhecido ou desconhecido.

O costume era tanto que as vezes ele queria comprar alguma coisa em Rio Preto e para garantir o crédito (na época era assim) ele dizia ao dono da loja: Irmão, liga pra qualquer número da lista telefônica de Auriflama e pergunta quem é “o irmão”. Eu vou ali tomar um café e volto já.

Resultado: quando voltava, o pacote já estava pronto e o tratamento era de lorde inglês.

Aquilo me encantava, queria ter tamanho carisma.

Quanta saudade do meu querido “Irmão”.

  • Miguel Tadeu Guimarães de Campos, 56 anos, promotor de Justiça em Campinas-SP

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